Ergonomia do Trabalho. Sua empresa está regularizada?

Compliance Ergonômico e a Imagem e Reputação Empresarial.

O Compliance Ergonômico surge da necessidade das empresas alinharem a ética das relações de trabalho com as demandas exigidas pelos empregados no cumprimentos das normas de saúde, higiene e segurança. Além disso, percebe-se grande importância do tema no universo corporativo devido ao impacto positivo sobre a imagem da empresa ao preocupar-se com o Compliance Ergonômico.

Mas, então, o que é Compliance Ergonômico? Para responder sugiro a fragmentação dessa expressão. O termo Compliance provém do verbo inglês to comply, tendo como sentido conformidade. No “mundo do trabalho” significa agir de acordo com uma norma, uma regra ou um regulamento. Historicamente, esse conceito teve início nos Estados Unidos em 1906 com a promulgação do Food and Drug Act e a criação do FDA. Tornou-se marcante, a partir de 1913, no ambiente bancário, onde era imprescindível saber se as instituições financeiras iriam financiar algo legal ou ilegal. Essa pesquisa originou o departamento e o cargo de “gerente de compliance”.

A segunda palavra de nossa expressão inicial é ergonômico proveniente de Ergonomia.

A Ergonomia é uma ciência que estuda a relação entre o ser humano e seu trabalho, através da infortunística, a qual tem um braço na Medicina do Trabalho e outro no Direito do Trabalho, tendo em mira a saúde do trabalhador. As doenças ocupacionais não constituem tema tão recente quanto alguns acreditam. No século XVIII o médico italiano Bernardino Ramazzini, considerado o pai da medicina do trabalho, já abordava a “doença dos escribas” relatando lesões por repetitividade no posicionamento da mão para escrever.

De acordo com a Ergonomics Research Society (1949), “Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e seu trabalho, equipamento e ambiente e, particularmente, a aplicação dos conceitos de anatomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas surgidos desse relacionamento”. Posteriormente, na década de 1970, nosso país sofreu grande influência do francês Alain Wisner e seus trabalhos com Analyse Ergonomic Du Travail – AET.

Hoje, no Brasil, o que rege os parâmetros legais da Ergonomia é a Norma Regulamentadora 17 (NR – 17) redigida como Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego. Interessante salientar que ela se subdivide em seis tópicos principais com dois anexos que enriquecem ainda mais sua amplitude. Isso demonstra que Ergonomia não é apenas ter uma “boa postura”, mas composta de elementos que norteiam diversos procedimentos. Além disso, a NR – 17 dialoga com várias outras normas, das quais faremos algumas menções.

Ergonomia na NR – 5 (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA)

A pergunta que cabe aqui é quem serão os agentes responsáveis por prevenir acidentes e doenças ocupacionais, e fazer a ponte entre os empregados e o SESMT?

É preciso compor um grupo de pessoas a realizar esse elo. A esse chamamos de Comissão Interna de Prevenção de Acidente (CIPA), regulada pela NR – 5. Essa Comissão será formada por representantes do empregador e dos empregados, sendo os primeiros designados e os segundos eleitos pelos interessados. A CIPA será responsável por elaborar o mapa de risco de acordo com os perigos encontrados. Consequentemente preparará um plano preventivo, bem como sua implementação e controle.

Como há diálogo entre as NRs, caberá a CIPA o papel de auxiliar na elaboração e execução do PCMSO e PGR, entre outros programas sobre saúde e segurança.

A NR – 5 também aborda uma das atividades mais importantes sobre saúde no trabalho: a Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho – SIPAT. Aqui ocorrem ações voltadas para elucidar dúvidas, trazer conceitos e conhecimentos de forma a melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores. Não existe um protocolo a ser seguido na composição da SIPAT, mas é comum alguns temas serem mais requisitados por estarem diretamente relacionados ao ambiente de trabalho e à saúde do trabalhador: Ergonomia; AIDS (sugestão da própria NR – 5); Riscos de Acidentes de Trabalho; Observação das NR; Qualidade de Vida, Atividades Físicas; etc.

Ergonomia na NR – 7 (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional)

O PCMSO tem como principal característica diagnosticar e preservar a saúde obreira:

7.2.3. O PCMSO deverá ter caráter de prevenção, rastreamento e diagnóstico precoce dos agravos à saúde relacionados ao trabalho, inclusive de natureza subclínica, além da constatação da existência de casos de doenças profissionais ou danos irreversíveis à saúde dos trabalhadores.

Seria pertinente ao médico que emite o ASO (Atestado de Saúde Ocupacional), ao realizar o PCMSO, incluir questões de outras NRs, a exemplo do risco ergonômico? Essa indagação foi formulada na obra de Marcos Henrique Mendanha cujo texto compartilho:

“Primeiramente, cabe-nos lembrar que assim coloca o item 7.2.4 da Norma Regulamentadora n. 7 (NR – 7): O PCMSO deverá ser planejado e implantado com base nos riscos à saúde dos trabalhadores, especialmente os identificados nas avaliações previstas nas demais NR.

Portanto, consideramos inadequada a interpretação de que o PCMSO (NR – 7) deva ser feito apenas com base no PGR (NR – 01). Pelo exposto, o texto da NR – 7 sugere que o PCMSO deve estar baseado nas “demais NR”, e não apenas na NR – 07, conquanto o PGR seja de fundamental importância. Assim, a NR – 17 (Ergonomia), por exemplo, deve ser considerada na elaboração do PCMSO, e os riscos ergonômicos (quando houver) merecem ser elencados nesse documento, assim como na ASO (Atestado de Saúde Ocupacional).”

O trabalhador deve ter sua saúde amparada e investigada pelo médico responsável através da emissão do ASO.

Para isso o atestado deve conter o nome completo do trabalhador com o número de registro de sua identidade e função; os riscos ocupacionais específicos de sua atividade; indicação dos procedimentos médicos a que foi submetido, incluindo exames; nome do médico coordenador; definição de apto ou inapto para a função de trabalho e; assinatura com data do médico encarregado do exame com carimbo contendo número no Conselho Regional de Medicina.”

Ergonomia na NR – 01 (Programa de Gerenciamento de Riscos)

A empresa deve inserir a Análise Ergonômica do Trabalho no PGR?

Essa é uma questão importante e não tão simples de responder. Aqui não cabe um simples “sim” ou “não”. De todas as iniciativas da NR 1 uma acaba sendo a mais focada, o PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos). Vale lembrar que o PGR é formado por inventário de riscos e plano de ação. E quando falamos de NR 17 a figura mais ilustre acaba sendo a Análise Ergonômica do Trabalho (AET).

No inventário de riscos devem ser listados todos os riscos ocupacionais, e no plano de ação devem ser listadas as medidas preventivas para cada risco que ainda precisa ser minimizado, neutralizado ou controlado.

No tocante a ergonomia ao PGR NR 1 no item 1.5.7.3.2 determina que no inventário de riscos deve conter pelo menos:

d) dados da análise preliminar ou do monitoramento das exposições a agentes físicos, químicos e biológicos e os resultados da avaliação de ergonomia nos termos da NR-17.

Já a NR 17 também aborda o inventário de riscos da NR 1, vejamos o que diz o item 17.3.5:

Devem integrar o inventário de riscos do PGR:

a) os resultados da avaliação ergonômica preliminar; e

b) a revisão, quando for o caso, da identificação dos perigos e da avaliação dos riscos, conforme indicado pela AET.

Na prática seria impraticável inserir a Análise Ergonômica do Trabalho no inventário de riscos, até porque a AET normalmente é muito maior do que o PGR.

A AET é elaborada utilizando alguma ferramenta ergonômica específica (Método OWAS, REBA, RULA, NIOSH, etc.) e considerando os postos de trabalho e os trabalhadores individualmente, o que gera uma análise extremamente detalhada e extensa.

Até mesmo colocar um resumo da AET no inventário de riscos não faz sentido. Que benefício há em mostrar os mesmos quesitos de ergonomia na AET e no inventário de riscos? Pra que essa redundância toda?

Acreditamos que o melhor é fazer apenas menção ou citação no inventário de riscos sobre a existência da AET.

O melhor é somente inserir fatores ergonômicos no inventário de riscos e no PGR se a empresa não tiver AET. E claro que o melhor dos mundos é ter a AET elaborada, pois como já dissemos ela é uma avaliação elaborada por especialista e aprofundada.

Alguns Julgados Pertinentes

“DANOS MORAIS. LER/DORT. CORTE DE CANA DE AÇÚCAR. RESPONSABILIDADE. TEORIA DO RISCO. 1. Consta do acórdão regional que o reclamante se ativava como cortador de cana e que , segundo o perito, ‘ embora a artrose e a discopatia sejam doenças degenerativas, a lombociatalgia causada pela hérnia de disco está relacionada com as características do trabalho no corte de cana, esclarecendo que ‘ o tipo de trabalho desenvolvido na Reclamada com grande esforço físico e ergonomia inadequada, associados a discopatia agem diretamente para a formação de hérnia de disco que originou a lombociatalgia’. Na sequência, acrescentou que ‘a culpa da Reclamada restou evidenciada pela não comprovação da adoção de medidas destinadas à prevenção da doença que acometeu o Reclamante’ e que, ‘em razão da moléstia agravada pelas atividades laborais, o Reclamante encontra-se com limitações para o trabalho com esforço excessivo, conforme atestado pela perícia.’ Com isso, a Corte regional manteve a indenização por danos morais deferida na origem (R$ 5.000,00). 2. No caso em apreço, restou demonstrado o dano e o nexo causal e, ainda que se questione o entendimento do TRT, no tocante à presunção de culpa da empresa, há que prevalecer a responsabilidade da reclamada. Isso, por que, em situações como a dos autos, em que o labor consiste no corte de cana-de-açúcar, a jurisprudência desta Corte tem admitido a responsabilização objetiva da empresa, tendo em conta o risco da atividade, prescindindo, pois, da demonstração de culpa. Precedentes da SDI-I. 3. Incólumes os artigos 5º, LV, 7°, XXVIII, da Constituição da República; 818 da CLT e 333 do CPC. Agravo de instrumento conhecido e não provido.”[13]

“DOENÇA OCUPACIONAL. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONCAUSA. O Tribunal Regional, instância soberana no exame do conjunto fático- probatório dos autos, consignou que a doença que acomete o autor (hérnia de disco), ainda que não tenha como única origem o desempenho das atividades na empresa, foi por elas agravada. Ficou registrado que a atividade executada pelo reclamante, carregando e empilhando pneus, perfeitamente inserida no processo produtivo das reclamadas, colaborou para o aparecimento ou agravamento da hérnia de disco, possibilidade admitida no laudo complementar, e, ainda, que não há notícia, por exemplo, de que o reclamante tenha recebido treinamento sobre métodos que aliviassem os riscos ergonômicos ou diminuíssem o risco de aparecimento de doenças, nem que fossem adotadas medidas como a ginástica laboral (…). Mesmo que degenerativa ou preexistente a enfermidade, não há dúvida da coincidência de causas, uma delas ligada ao labor, o que faz atrair o dever de reparação dos danos causados, nos exatos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil. Precedentes desta Corte.”[19]

Conclusão

A importância do Compliance Ergonômico para as organizações está diretamente relacionado a sua imagem de mercado e as consequências derivadas dessas implementações.

Logo, há ganho em qualidade de vida no ambiente de trabalho pelos empregados o que está em fina sintonia com a Constituição Federal: em seu art. 7º: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXII: Redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;” e com a CLT que trata em seus artigos 154 ao 200 das normas de segurança. Observe a força normativa das NR, no texto do art. 200, CLT: “Cabe ao MTE estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, especialmente sobre: I – medidas de prevenção de acidentes;”.Dentre os principais motivos para realizar o compliance ergonômico está o aumento da produtividade e satisfação dos trabalhadores.

Isso se conecta com as bases do conceito de Endomarketing como o “conjunto de estratégias e ações de marketing institucional voltadas para o público interno (empregados, revendedores, acionistas, etc)”.

Outra vantagem é a melhora nos serviços e produtos e, consequentemente, na imagem da empresa, haja vista algumas comparações de locais que não realizam com os que efetivam a ideia desse estudo.

Ainda há a diminuição dos riscos de acidentes de trabalho, problema que posiciona o Brasil como quarto colocado mundial, ficando atrás apenas da China, Índia e Indonésia. Aqui é interessante fazer um breve comentário que corrobora a ideia desse artigo: como é possível o Brasil ser um dos recordistas em número de acidentes de trabalho sendo que existe tão robusto arcabouço jurídico de proteção à saúde obreira? A resposta está justamente na falta de compliance ergonômico, vale dizer na inobservância das Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho.

“Se as condições de trabalho nos postos eram excelentes e se eram baixos os riscos de DORT e/ou tenossinovites e outras LTC, ficou comprovado, então, que o ambiente físico e funcional era adequado às exigências de ordem ergonômica. Porém, mesmo assim, registravam-se queixas de ordem músculo-esquelética, sugerindo a necessidade de um trabalho de sensibilização e de conscientização, dinâmicas de realização de micropausas e orientações individuais nos postos de trabalho, para promover a capacitação dessas pessoas sobre o uso da regulação postural individual durante suas atividades laborais e a importância das micropausas.”[21]

Toda essa noção sobre a necessidade de conscientizar e sensibilizar os trabalhadores está em estreita concordância com as ideias citadas na obra de Sebastião Geraldo de Oliveira conforme o seguinte trecho:

A evolução continuada das relações de trabalho e do compliance ergonômico ocorrerá com debates críticos que auxiliam no surgimento de novas ideias e/ou aprimoramento das atuais. Ficam evidentes, portanto, as vantagens do cumprimento do Compliance ergonômico, além do grande alcance desse tema para as empresas que pretendem ser competitivas e obter imagem positiva perante seus clientes e a sociedade.

Viviane Daré é Ergonomista e Designer de Interiores (ABD: 37055)

viviane@segecompany.com.br